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A vida é uma ópera: a música nas composições literárias de Machado de Assis

O mundo é um grande palco na ficção machadiana, afirma Kenneth David Jackson (Universidade de Yale, EUA), autor de Machado musical: notas sobre música e escrita. Seu ensaio integra o número 26 da revista Machado de Assis em linha – MAEL, que apresenta um dossiê sobre música e teatro na obra do escritor brasileiro.

 

Creditos da imagem: Unsplash (Valentino Funghi)
 

Os ecos da música e da ópera no método de composição do escritor são o tema deste estudo, em que Jackson examina motivos ligados à música e desenvolvidos nos romances de Machado.

O ensaísta lembra que os primeiros quinze anos de atividade literária de Machado de Assis foram um período de intenso aprendizado sobre óperas e peças europeias, importadas e reproduzidas nos teatros do Rio de Janeiro. Segundo Jackson, os romances do escritor associam as óperas que assistiu à psicologia e à situação de seus personagens. As referências começam a aparecer no segundo romance, A mão e a luva, passam por Dom Casmurro, chegando até o último romance, Memorial de Aires.

“Repleta de observações críticas e sutis sobre o Rio de Janeiro do tempo do Império, a ficção machadiana é uma comédia humana e um teatro do mundo, que trata de temas encontrados em conhecidas obras de música, literatura e filosofia. Todos os romances têm como núcleo uma citação literária ou musical. O seu mundo de ficção abrange as classes sociais, as profissões e até a geografia, pano de fundo de uma cidade-teatro posta em cena com grande variedade de personagens e enredos”, escreve o autor do estudo publicado na MAEL.

Para Jackson, Machado de Assis compõe textos que demonstram “sua capacidade de coordenar diferenças ao encontrar equivalentes literárias para frase, ritmo e harmonia na música. Assim, forma um embasamento teórico capaz de apoiar a produção literária toda. Como autor, Machado é consciente dos paralelos entre escrever e compor (...)”.

A vida é uma ópera

Num segundo momento, o ensaísta sintoniza os leitores com as referências e preferências de Machado, revelando como o teatro, a ópera e a música estavam presentes na obra do brasileiro. Jackson comenta as diversas menções do escritor à ópera Otelo, lembra que o piano é o instrumento mencionado em todos os romances e trata do papel central da música na prosa machadiana. Entre os vários exemplos utilizados pelo autor do estudo, vale ressaltar o do conto “Um homem célebre” (Várias histórias), destacando-se a situação em que o personagem Pestana vai ao piano.

“Na parede havia o retrato de um padre que dera para ele uma formação musical clássica, junto com retratos dos compositores Domenico Cimarosa, Mozart, Beethoven, Christoph Gluck, Bach, Robert Schumann e alguns outros. O piano ficou aberto, como altar, e o texto sagrado era uma sonata de Beethoven. Pestana vivia apenas para ser compositor clássico. Passou a tarde a olhar os retratos, indo ao piano, esperando pela inspiração que nunca chegava. Até as estrelas pareciam a ele como notas musicais à espera de um compositor. Enquanto gozava da fama e da atenção de jovens moças por causa das polcas famosas, só ficava mais desesperado, perguntando aos céus por que não podia compor uma página imortal e ideal.”

Encerrando seu ensaio, Jackson assinala que “Tudo na prosa de Machado de Assis serve a um grande teatro barroco do mundo, ou ópera cômica sobre a condição humana.”

Acesse aqui o ensaio Machado musical: notas sobre música e escrita.